Embora esteja muita associada à prática de exercícios físicos e à meditação, a ioga não se limita à execução de posturas para alongar, fortalecer os músculos e ac...almar a mente. Na Índia, ela é uma filosofia com orientações para a vida, como explica Marcos Rojo, professor de ioga da Universidade de São Paulo (USP).
Pouco difundida no Ocidente e desconhecida até entre alguns praticantes, sua vertente filosófica, elaborada há 2.000 anos, aproximadamente, abrange condutas para melhorar a convivência com os outros e conquistar bem-estar pessoal.
No total, são dez recomendações divididas em dois grupos. O primeiro, os “yamas”, referem-se a atitudes que devem ser evitadas. “São cinco ações para que você não seja um problema para o mundo e o mundo não seja um problema para você, segundo Patanjali, o sábio que sistematizou esses princípios”, explica.
As outras cinco compreendem comportamentos a serem cultivados, os “niyamas”. “Nesse caso, são princípios para que você não seja um problema para você mesmo, como pode acontecer”, complementa.
Marcia Gambôa, instrutora particular de ioga, afirma que a prática dessas atitudes “promovem uma maneira melhor de estar no mundo”. Porém, elas precisam ser treinadas continuamente, pois a tendência é agirmos de forma condicionada, seguindo padrões construídos anteriormente.
Confira quais são as orientações e suas implicações no dia a dia:
Ciúmes: em um relacionamento não somos donos de ninguém, apenas temos o privilégio de desfrutar da companhia de outras pessoas por certo período, afirma Rojo.
YAMAS
• Não agredir (“ahimsa”): a violência não está restrita aos atos, mas também às palavras e ao pensamento. “Em uma vida a dois, significa não fazer para o outro o que você não gostaria que fizessem para você”, fala Rojo. “No ambiente profissional, vale como um conselho para não buscar promoção à custa do fracasso e do rebaixamento de outros colegas”, alerta. A relação entre chefes e funcionários é mencionada pelo especialista. Profissionais que cobram de suas equipes o cumprimento de metas sem lhes dar condições adequadas, como tempo suficiente para executar as tarefas, estão praticando uma forma de violência, na opinião do professor.
• Não mentir (“satya”): “a verdade é a base de qualquer relacionamento pessoal ou profissional, pois sobre ela também se sustenta a confiança”, declara Rojo. É preciso ter bom senso, contudo. Há situações em que a sinceridade pode provocar ofensas e agravar um quadro já complicado. “Você não visita um amigo no hospital e diz a ele o quanto ele está abatido”, exemplifica.
• Não roubar (“asteya”): não quer dizer apenas subtrair coisas físicas, mas também ideias, tempo e até a boa vontade do outro, segundo Gambôa. O instrutor dá outros exemplos: “o ciúme é uma forma de roubar o tempo de seu companheiro. O mesmo ocorre quando você força, sem necessidade, uma pessoa a escutar os seus problemas e até os de outras pessoas”.
• Não abusar dos excessos (“brahmacharia”): comer e beber adequadamente e praticar sexo de forma saudável, sem exageros, são algumas possíveis interpretações para esse conselho. A orientação também está ligada à ideia de que não devemos restringir a alguns momentos do dia – como a hora da meditação –, o dever de ser verdadeiro, de cultivar bons pensamentos e de sentir-se puro. “As barreiras entre o sagrado e o profano devem ser eliminadas”, comenta.
• Não possuir com apego (“aparigraha”): “em um relacionamento, uma pessoa não pode privar a outra de oportunidades. Não somos donos de ninguém, apenas temos o privilégio de desfrutar da companhia delas por certo período”, afirma Rojo. O consumismo é criticado sob a ótica desse conceito. “A orientação é para não acumular coisas. Coloque em uso o que você tem e, o que não precisa, doe”, defende.
Na carreira, acreditar que uma promoção de cargo ou salário é devida pode resultar em frustração quando ela não acontece. E quando ocorre, gera um contentamento medíocre.
NIYAMAS
• Pureza (“saucha”): na ioga, há vários exercícios de limpeza física e mental. A meditação é um meio de purificação, por exemplo, pois ajuda a tirar da mente os “entulhos”. Pensar de forma coletiva é mais uma forma de manter-se limpo. Na situação oposta, ser omisso e conivente com situações com as quais você não concorda, vai contra isso.
• Contentamento (“santocha”): reconhecer aquilo que se tem em vez de buscar o que está faltando. Outra interpretação aponta para o sentido de não esperar reconhecimento ou retribuição por algo que você fez ou que supostamente merece. Contentamento é não ter esse tipo de expectativa, segundo Rojo.
• Disciplina (“tapas”): persistência na prática e na manutenção de atitudes corretas. “Em todas as situações do dia a dia, como no trânsito, que é uma situação estressante, a pessoa deve se conter para manter a mente pura”, afirma o professor. Gambôa acrescenta que é preciso somar disposição pessoal e exercício constante para transformar esses princípios em modo de vida. Ela compara o processo com o aprendizado de um idioma, que requer tempo e acontece aos poucos por meio de treinos, participação em aulas e estudos contínuos.
Autoestudo (“svadhyaya”): aponta para a necessidade de nos conhecermos, condição necessária para agirmos com clareza e discernimento, segundo Gambôa. “As pessoas se identificam como sendo umas diferentes das outras, mas, em essência, são todas iguais. Reconhecer isso é importante para a convivência, pois leva à constatação que o outro é exatamente como você, com as mesmas dificuldades e necessidades”, informa o especialista.
• Entrega (“ishvarapranidhana”): estabelece a importância de dedicar-se a uma divindade e acreditar que há algo superior, seja qual for o contexto religioso. “É um conselho válido para compreendermos nossa relevância no universo e aceitarmos que as coisas não acontecem do jeito que queremos”, pontua Rojo.
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